Entrevista com Rita de Cássia Teixeira

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Entrevista com Rita de Cássia Teixeira

Rita de Cássia Moreira de Almeida Teixeira é uma médica e investigadora brasileira, que desenvolveu recentemente um estudo sobre risco cardiovascular entre vegetarianos e omnívoros.
O Centro Vegetariano foi ao seu encontro, para saber mais sobre esse estudo.

1 – Qual o tipo de alimentação que segue e porquê?
Sou vegetariana desde 1991. Em princípio, concordo com todas as razões que nos levam ao vegetarianismo. Entretanto, demorei muito a me tornar vegetariana por falta de conhecimento. Sofremos muito por falta de conhecimento. Nasci no seio de uma família típica da cultura brasileira, onde a alimentação básica era arroz, feijão, bife, batata frita e salada. Formei em medicina em 1976 e na faculdade, na pediatria aprendi que precisávamos comer carne para ingerir proteínas, sem isso ficaríamos desnutridos. Na década de 1970 vi muitas crianças morrerem por desnutrição no hospital infantil. Então, comia carne porque achava que se não comesse ia ficar desnutrida por falta de proteína...
Sempre tive um questionamento interior quando ingeria carne, o que mais me incomodava era o fato de precisarem matar uma galinha, trucidarem um boi, um porco para matar a minha fome. Isso me fazia sentir como um leão, um tigre, um bicho horrível. Acho que ninguém gosta dessa idéia, mas isso nos vem imposto pela cultura. Enfim, aos quarenta anos resolvi parar de comer carne, foi um processo lento e gradual, primeiro deixei o boi e o porco (este era terrível para mim, na infância passava muito mal quando comia), depois a galinha e foi um alívio. Por último, deixei de comer peixe, pois o olfato da gente melhora e o cheiro do peixe passou a ser insuportável. Só quem já comeu carne e parou sabe do que estou falando, quem nunca comeu, não sabe. É um verdadeiro alívio, uma bênção, ao invés de adoecer eu até melhorei de saúde.

2 – Publicou recentemente um estudo sobre o risco cardiovascular em vegetarianos e omnívoros. O que a motivou a realizar este trabalho?
Sou sanitarista e fiz o mestrado em Saúde Coletiva na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Nesse mestrado, a professora que me orientou é nutricionista e seu trabalho de doutorado em fisiologia, foi com dados do Projeto MONICA/OMS/Vitória - ES (um estudo que foi feito em várias cidades do mundo, com o objetivo de traçar os principais fatores de risco para doenças cardiovasculares e a cidade de Vitória - ES foi uma delas). Essa professora me ofereceu a oportunidade de utilizar o banco de dados do MONICA e nesse momento me surgiu a idéia de procurar um grupo de vegetarianos para compararmos os fatores de risco. Essa idéia não saiu mais da minha cabeça e corri atrás dela. Procurei ativamente vegetarianos e o que foi muito bom, eles entenderam logo a razão do trabalho e participaram de boa vontade. Sem eles, um grupo, eu era uma singularidade, só podia observar em mim. Quando a gente observa um grupo de pessoas e compara com outro grupo com características semelhantes (mesma idade, sexo, classe social e raça) a gente pode tirar alguma conclusão.

Rita de Cássia e vista sobre Vitória

3 – Como se processou o estudo?
Como te falei, os onívoros foram retirados de uma amostra representativa da população de Vitória/ES e os vegetarianos foram procurados por mim em lugares onde pudéssemos achá-los, tais como igrejas Adventistas do Sétimo Dia, o movimento de reforma deles participou muito, os rosacruzes da Rosacruz Áurea ( Lectorium rosicrucianum), budistas, hare khrisna, poucos vieram dos restaurantes vegetarianos da Grande Vitória. Todos foram entrevistados e realizaram os exames no Laboratório de Fisiologia da UFES.

4 – Quais foram os principais resultados e conclusões desse trabalho?
Foram encontradas diferenças com melhores resultados para o grupo Vegetariano em relação ao Onívoro em todos os fatores de risco cardiovascular estudados. Portanto, no grupo VEG, o IMC, as médias de pressão arterial, todas as medidas bioquímicas relacionadas com o perfil lipídico foram menores, com exceção do HDL-colesterol que não deu diferença (guarda relação com exercício físico e constituição); a glicemia de jejum também mostrou diferença significativa, cabendo ressaltar que não foi encontrado nenhum indivíduo vegetariano diabético, enquanto no grupo onívoro, 14 eram diabéticos. Isso para mim, foi uma grande novidade. Até então, achava que o diabete só tinha a ver com o açúcar. A ingestão desbalanceada de proteínas de origem animal parece ser um fator de diabetogênese tão importante quanto o açúcar, apesar de não mexer com a glicemia, pois o grande diferencial entre os grupos era o comer ou não comer carne, já que a maioria dos vegetarianos é do tipo ovolactovegetariano e portanto ingere alguma proteína de origem animal.
A urbanização é a grande força que influencia a demanda mundial por produtos derivados de animais e, segundo a OMS, tem havido uma enorme pressão do setor de agropecuária quanto ao reconhecimento do alto valor da proteína de origem animal. Esse setor vem crescendo num ritmo inédito, como uma grande onda que açambarca o crescimento da população, a urbanização e o aumento de rendimentos. Nos países em desenvolvimento, entre 1964-1966 a 1997-1999, o consumo de carne per capita aumentou 150% e o de laticínios 60%. A produção de carne no mundo é projetada para aumentar de 218 milhões (1997-1999) para 376 milhões de toneladas em 2030 e o consumo per capita pode aumentar mais de 44%. Se, por um lado, a urbanização tem favorecido a melhoria das condições de vida da população, por outro tem impulsionado o crescimento das doenças crônicas não transmissíveis. Essas doenças têm sido responsáveis por 60% das mortes e incapacidade em todo mundo e, numa escala progressiva, poderão chegar a 73% de todas as mortes em 2020. Esse trecho em negrito está no artigo publicado, acho muito esclarecedor.

5 – Os resultados foram os que estavam à espera?
Como vegetariana, achava que poderia ter um resultado melhor para esse grupo, mas eu nunca tinha estudado esse tema, e quando a gente inicia uma pesquisa, nunca sabe o que vai encontrar. As doenças cardiovasculares são as que mais matam no mundo e tivemos a oportunidade de quantificar a probabilidade de infarto agudo do miocárdio para 10 anos nos 2 grupos. Como a média de idade foi 47+8 anos, as mulheres estão na peri-menopausa, sabemos que aos 55 anos o risco cardiovascular das mulheres se iguala ao dos homens, separamos por sexo e as mulheres vegetarianas aos 64 anos se encontram na faixa de baixo risco (probabilidade <5%,>20%). Não é interessante?

6 – Que impacto e divulgação teve o vosso estudo no meio científico?
Com essa dissertação de mestrado publicamos 2 artigos científicos, um na Rev. Bras. de Epidemiologia e o artigo principal nos Arq. Bras. de Cardiologia; esperamos ter dado nossa pequena contribuição para esclarecimento de todos que estejam interessados no assunto.

7 – Já participou em mais alguns trabalhos cujo objecto de estudo foi a alimentação vegetariana?
Não participei, por isso me senti muito feliz com essa oportunidade que o acaso fez que acontecesse na minha vida. Aprendemos bastante. Se antes eu era uma vegetariana de coração, fiquei mais científica...Foi bom demais, conforme te disse sofremos por falta de conhecimento, se eu soubesse mais cedo, que a mistura de arroz com feijão/ ervilha/ lentilha/ grão de bico nos fornece a quantidade necessária de aminoácidos essenciais, teria me tornado vegetariana mais cedo, é claro. Mas, está sempre em tempo, em qualquer idade.

Fonte: Centro Vegetariano

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