Comida Viva - Matéria da Revista da Folha

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No princípio, eram os vegetarianos, os hippies, os naturebas. Depois, vieram os vegans, os crudívoros, os sem lactose. Até chegar aos atuais orgânicos. Alimentação saudável continua em voga, mas no topo da cadeia alimentar verde agora está a comida viva.
Dieta da comida viva prega que sementes germinadas são 20 mil vezes mais poderosas em nutrientes





brotinho bom
por Marianne Piemonte
fotos Amilcar Packer



No princípio, eram os vegetarianos, os hippies, os naturebas. Depois, vieram os vegans, os crudívoros, os sem lactose. Até chegar aos atuais orgânicos. Alimentação saudável continua em voga, mas no topo da cadeia alimentar verde agora está a comida viva.

É bem possível que um gourmet fique aterrorizado com uma dieta que não usa sal, açúcar, laticínios ou glúten. Na qual legumes, frutas, verduras e algas marinhas não são cozidos, quando muito são desidratados em processos que não passam de 40ºC. E, o principal: grãos germinados são a base das refeições. Sim, sementes brotando estão para essa dieta como as trufas estão para a alta gastronomia. Para os adeptos da comida viva, os abrolhos contêm uma concentração nutricional muito superior à de qualquer outro alimento. A explicação para essa potência seria simples: é nessa etapa que a semente reúne toda a sua "força" para eclodir, acreditam os "vivos".

A descrição pode ser inapetente, mas desanuvie qualquer imagem daqueles biscoitos opacos vendidos em lojas naturais. Crenças nutricionais à parte, a comida viva provada pela reportagem é atraente e saborosa. As receitas criadas por Tiana Rodrigues, 43, no restaurante Universo Orgânico, na zona sul carioca -o primeiro do país especializado em alimentação viva-, instiga até comedores de toicinho à pururuca.

O Rio de Janeiro, aliás, quase não é preciso dizer, é o celeiro dessa modalidade alimentar -haja vista a quantidade de lojas de produtos naturais, fazendas orgânicas e outras tendências saudáveis que brotaram (ops) primeiro por lá, como o açaí e os quiosques de água-de-coco.

Em São Paulo, nas escolas de ioga e em mercadinhos de produtos orgânicos freqüentados por naturebas descolados, já se ouve um zunzunzum sobre a comida viva.

Depois de quatro anos em Nova York, ao lado de David Jubb (leia entrevista), um dos mestres da "life food" mundial (o termo foi cunhado primeiro assim, em inglês), a dona do restaurante carioca adotou física e juridicamente essa dieta. Tiana diz que a comida industrializada perdeu sua principal característica, que é fornecer energia para o corpo.

"Se você come uma feijoada, fica exausto depois. Isso porque o organismo vai precisar das enzimas que produz para a digestão. Com a comida viva isso não acontece, porque ela não mata, com o cozimento, as enzimas que os próprios alimentos possuem. Ou seja, o corpo não gasta energia para fazer mais dessas substâncias", explica ela, que tem título de "médica do futuro" pelo instituto americano Jubb's Longevity, de David Jubb.

Os especialistas em comida viva acreditam que tal economia rejuvenesce, pois evita um desgaste desnecessário do metabolismo, já que a produção de enzimas pelo organismo humano é reduzida ao longo do tempo.

A chefe da disciplina de nutrição da Unifesp, Anita Sachs, 45, concorda que o corpo deixa de fabricar algumas delas com a idade, mas é enfática ao dizer que não há prejuízo nenhum para a saúde em utilizá-las para digerir uma feijoada com orelha e tudo.

Alheia a teorias nutricionais, a artista plástica Mana Bernardes, 25, trata um sério problema no intestino há sete anos com o suco do sol, uma fórmula que mistura couve, maçã, grãos germinados, cenoura, pepino etc etc e é o primeiro mandamento dos adeptos da alimentação viva.

À época, ela havia saído de uma consulta médica com uma receita de antibiótico nas mãos e estava com receio de tomá-lo, por causa dos efeitos colaterais. "Na mesma tarde, eu e minha mãe encontramos uma senhora que dizia ter se curado de um problema sério nos pulmões tomando o suco do sol três vezes por dia. Comecei naquela semana e não parei mais", conta Mana. "Hoje, me sinto mais disposta, meu cabelo é mais viçoso e é raro eu ter alguma crise de intestino. A comida viva tem uma visão holística, não trata da doença, mas da saúde da pessoa como um todo", acredita.

Nem a rotina acelerada tira Mana da dieta viva. Quando viaja, costuma levar sementes germinando na bolsa. "Quando almoço num quilo, faço um pratão de salada e jogo os meus grãos por cima."

Sangue bom
Outra função atribuída à comida viva por seus defensores é a alteração do pH do sangue. "A alimentação viva alcaliniza o sangue, enquanto a industrializada o torna mais ácido e o transforma no ambiente perfeito para disseminação de doenças, como cânceres e diabetes", diz Tiana.

Não há nenhuma comprovação científica para esse tipo de afirmação, diz a professora de bioquímica de alimentos e especialista em alimentos funcionais da Universidade Federal do Paraná, Lys Mary Cândido, 55. "O pH do sangue varia entre 7,35 e 7,45. Abaixo de 7,35, você tem uma situação patológica chamada acidose e, acima de 7,45, a alcalose. Tanto um extremo como o outro apontam para processos patológicos", explica.

A bioquímica só pega leve na análise da comida viva quando o assunto é cozimento. Ela vê vantagem no fato de os alimentos serem cozidos em temperaturas abaixo de 40ºC. "O cozimento em água pode levar à perda de nutrientes solúveis na água, que geralmente é descartada. E a fritura pode levar à formação de acroleína (substância que aumenta o risco de câncer) e de radicais livres (que contribuem para o envelhecimento precoce)."

Vale lembrar, diz a professora, que o cozimento tradicional tem outros efeitos benéficos. "A cocção também destrói microorganismos que contaminam os alimentos."

Mas o cerne da discussão diz respeito à tese-mor dos "vivos" de que os grãos germinados são infinitamente mais nutritivos do que qualquer alimento. "Acreditamos que um grão germinado aumente em 20 mil vezes seu potencial nutricional, além de quebrar seu bloqueador de enzimas e tornar-se mais alcalino quando brota", explica Tiana.

Tanto a chefe da nutrição da Unifesp, Anita Sachs, quanto a professora de bioquímica Lys Mary Cândido concordam que não há como mensurar cientificamente quanto um grão germinado é mais nutritivo do que outro alimento.

Alimento morto
O estilista carioca Marcelo Gomes, 40, também adotou o suco do sol em sua dieta, mas vira e mexe caía nas perdições de uma padaria. "Agora radicalizei, eu e minha mulher recebemos diariamente às 8h o suco em casa. Eu me sinto muito mais disposto e há sete meses não tenho um resfriado", conta.

Nos dias mais corridos, ele recorre a arroz integral e peixe para matar a fome, mas sempre quando pode dá uma passada no Universo Orgânico, onde almoça uma panqueca viva de linhaça dourada enquanto o cão Boris, um west highland de cinco anos, delicia-se com suco de pêra, couve e água-de-coco.

A alimentação trivial de boa parte dos brasileiros, como um pingado e pão com manteiga na chapa -que Marcelo considera "escorregadas"- é considerada veneno para quem adota a dieta viva.

Segundo a guru desse tipo de alimentação no Brasil, a professora de artes e design da PUC-Rio Ana Branco, 62, que coordena um curso aberto e multidisciplinar sobre o assunto, "todo alimento tem uma célula de silício em seu interior, onde estão todas as suas informações nutricionais, que chamamos de 'biochip'. Quando cozida, essa célula se rompe e comemos um alimento morto, que não oferece ao organismo o que ele precisa", diz.

Há 13 anos, Ana Branco segue rigidamente a dieta viva e diz ter se curado de uma asma que a acompanhou dos 18 aos 50 anos. "Essa alimentação traz energia e é força vital pura. O que faço não é novidade. Hipócrates, pai da medicina, já dizia: 'Deixe a comida ser a sua medicina'."

Toda quinta-feira, no campus da PUC-Rio, Ana promove a feira do Desenho Vivo, onde voluntários ensinam receitas de comida viva. Para paulistanos que não pretendem pegar a ponte aérea, ela ensina a fazer o suco da luz, base desse tipo de dieta, no site YouTube 





Na contramão da trilha pop que os grãos germinados vêm tomando, Ana acredita que esse tipo de alimentação não pode ser comercializada e que cada indivíduo tem o poder de se curar e deve fazer a própria comida (viva).

Se considerarmos a voracidade moderna por dietas e tendências alimentares, a doutrina do brotinho já cavou o seu canteiro. Mas, entre "vivos" e "não vivos", há de se reconhecer: comer semente germinada ainda não matou ninguém.

como fazer comida viva (ou como germinar grãos)

Segundo os adeptos da dieta, podem ser germinadas todas as sementes comestíveis pelos homens e pelos pássaros, como girassol, aveia, trigo, linhaça, soja, centeio, gergelim, lentilha, quinua, ervilha etc.

1 Coloque três colheres (sopa) de grãos em um vidro limpo e deixe-os de molho em água mineral por uma noite (cerca de oito horas)
2 Com um pedaço de filó (tecido escolhido por ser mais poroso e natural) e um elástico, feche a boca do vidro e escorra a água. Lave as sementes e deixe-as escorrendo com o vidro inclinado, num escorredor, em um local com sombra e arejado por mais oito horas
3 Depois do primeiro molho, lave os grãos pela manhã e à noite e deixe-os escorrer ao longo do dia. Em dias mais quentes, os primeiros sinais de germinação -um fio branco que rompe a casca do grão- deverá surgir em 24 horas

Fonte : REvista da Folha
http://www1.folha.uol.com.br/revista/rf0107200709.htm

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