Medicina Indígena Brasileira: Comparação entre o Saber dos Pajés e a Medicina Antroposófica



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por Wesley Aragão de Moraes

INTRODUÇÃO

Uma grande missão da antropologia é conhecer o outro, o diferente, para que, assim, possamos saber de nós próprios. Auto-conhecimento também é, de outra forma, uma proposta da antroposofia. Saber, para ajudar é uma meta do médico. No Brasil, vivemos uma situação cultural peculiar, multicultural, onde isto é especialmente possível, onde outros e nós se confundem e se mesclam. O raciocínio darwinista do século XIX era simplista ao afirmar que o índio é portador de uma consciência “atávica”, arcaica, ainda espiritualizada, enquanto o branco vive na luz da consciência da modernidade. Na verdade, índios e brancos convivem no mesmo mundo, o atual. Cada qual, por uma trajetória distinta, foram lançados na “época da alma da consciência” (Steiner) e cada qual procura sobreviver física e espiritualmente nesta, dentro das opções e contextos de que dispõem – pois caracteriza justamente esta época a multiculturalidade globalizada. Por isto, cada um pode dar algo do que tem de melhor ao outro, compondo assim novas propostas de vida.

Os povos indígenas e seu legado não são páginas do passado, mas, ao contrário, continuam presentes e aumentando sua população. A Antroposofia se propõe a ser uma via contraposta ao materialismo moderno, falando de um mundo todo-espiritualizado no qual vivem os indivíduos. As cosmovisões indígenas, por outro lado, tem sua trajetória à parte do processo que produziu a modernidade ocidental, até a colonização. A partir daí, as etnias indígenas passam a se integrar/confrontar, de modo brutal, com a modernidade (“era da alma da consciência”- Steiner), tornando-se, destarte, parte dela. Temos assim, uma situação peculiar, onde cosmologias míticas e animistas convivem e se inserem e são inseridas num mundo materialista, individualista e capitalista. Por outro lado, antroposofia e cosmologias ameríndias tem em comum a noção de um mundo encantado e permeado de essências suprassensíveis. A primeira, situa-se no contexto de indivídualismo ocidental europeu – na cidade-, as últimas, no contexto da comunidade tribal dos trópicos – na aldeia da floresta. Polaridades e afinidades…

O Xingu é um fenômeno espiritual único no mundo. Lá convivem, há mais de mil anos – conforme dados arqueológicos – pelo menos quatorze povos diferentes, falando línguas diferentes e de origens diferentes. Cada qual tem suas próprias aldeias, seus próprios valores, e se comunicam pacificamente e trocam bens de uma forma harmônica. Segundo os nativos, isto se deve à presença próxima de Mavutsini, ser solar criador, que vive na região e os direciona. O Xingu se situa exatamente no centro do Brasil e da América do Sul. Isto nos faz pensar…

Tenho, já há alguns anos, trabalhado e estudado a etnobotânica medicinal indígena e as práticas rituais e concepções de cura de índios, basicamente pertencentes ao grupo lingüístico Tupi-Guarani2) - principalmente, os guarani (região sudeste do Brasil) e os kamaiurá (Xingu, MT, região centro-oeste). Aprendendo aos poucos sua linguagem, convivendo e visitando estas culturas, assistindo às suas práticas de cura, verificando suas ervas mágicas e curativas, lendo os relatos de cientistas naturais e de etnólogos a respeito, formei assim alguns elementos teóricos e observações, os quais procuro compartilhar com os interessados.

A COSMOVISÃO CURATIVA INDÍGENA

Impossível entendermos a medicina indígena sem termos uma noção de sua cosmologia.

De uma forma generalizante, como uma síntese, podemos reunir todas as cosmologias dos vários grupos de fala Tupi-Guarani em uma só grande cosmologia, a partir de seus elementos comuns. Esta síntese já foi esboçada pelo etnólogo Metráux(3) , nos anos 50.

O Mundo Espiritual

Para os índios tupi, o mundo sensível é somente uma parte de uma totalidade ternária que inclui também um mundo suprassensível espiritual e também um mundo suprassensível anímico. O mundo espiritual é habitado pelos deuses criadores (tais como o Monan, ou Mayra, tupinambá; o Nhanderu – “nosso pai”- guarani; o Mavutsini xinguano), pelos heróis culturais (os seres gêmeos-planetários que criaram animais e plantas e outros heróis míticos) e pelos espíritos dos humanos (Ayvu, em guarani; Mái, em araweté; E’ami, em juruna).

O Mundo Anímico

O mundo anímico, distinto do mundo espiritual, intermediário entre este último e o mundo sensível, é habitado pelas almas dos mortos (Anhang em guarani e em kamayurá; em tupinambá, ang-uera - alma sem corpo; I’nay, em juruna; Ani, em araweté). Diferente dos espíritos, as almas dos mortos são mortais tanto quanto nossos corpos. Elas sofrem uma “segunda morte” que é representada de forma imaginativa: Os Kamayurá dizem que as almas sofrem um ataque de pássaros vorazes que as vão devorando, devorando, até que elas chegam diante do Uirapy, o grande gavião celeste, que as devora totalmente. Os Araweté dizem que as almas são devoradas pelos Mái, deuses, num banquete antropofágico celestial. Depois de devoradas, entretanto, os deuses as refazem em um enorme caldeirão e elas ressurgem lindas, renovadas, rejuvenescidas, metamorfoseadas em Mái(4).

Para o indígena, portanto, a entidade humana compõe-se de uma parte física, visível – a “pele”(Py), em kamaiyrá, termo que também pode ser traduzido por “vestimenta” ou “forma”. Morrer (manon) é “deixar a vestimenta e ir embora”. A “veste” é animada por uma entidade considerada material, que se separa do cadáver após a morte e fica em torno da tumba, assombrando os vivos que por ali passarem. Esta entidade etérica (anguery, em guarani) dissolve-se com o tempo ou pode ser dissolvida pelo pajé. A Anhang-Alma, por sua vez, é dotada de uma natureza animal. Assim, é comum entre os guarani que se diga “tal pessoa é agitada porque sua alma é de jandaya”, ou “ele é raivoso porque sua alma é de onça”, enfim. Animal e homem tem continuidade, são unos, através do Anhang. O Ayvu (Lógos), Espírito, é a “alma-estrela” e vive na Terra-sem-Mal, podendo reencarnar de vez em quando, para os guarani(5). Para os Kamayurá, o espírito ilustre torna-se um tipo especial de mamaé superior não selvagem. Temos, destarte, uma quadrimembração:

1- Forma Física, “Pele”- Py 2- Duplo etérico do corpo - “Anguery”

3- Corpo Animal - “Anhang” 4- Espírito - Ayvu, Mamaé

Conforme o arque-mito tupi da Criação, Monan-Maýra (Mavutsini no Xingu) estava só e então desejou fazer os humanos, a partir de troncos de árvore. Fez mulheres, primeiro, sua filhas. E depois mandou que elas se casassem com a raça dos jaguares míticos –seres titânicos muito ferozes, seres do caos. Deste casamento das filhas de Monan com as onças é que descendem todos os homens e mulheres. Por isto temos uma essência divina, Ayvu, e Monan é nosso avô celeste, e somos – como dizem os Araweté(4), “deuses esquecidos aqui na terra”. Por outro lado, todos nós temos “sangue de jaguar”, somos filhos da Onça Primordial, e por isto guardamos parentesco com toda a ferocidade predatória e canibal que a natureza apresenta.

SERES ELEMENTAIS, MAMAÉS

Reluto em revelar um magno arcano.

Tronam deidades em augusta solidão.

Sítio não há, tempo ainda menos, onde estão.

É um embaraço falar delas. São as Mães.

(…) Estranho é mesmo; Deusas ignoradas

De vós mortais. Por nós, jamais nomeadas.

Vai, pois, buscá-las nos mais fundos ermos;

É tua culpa o delas carecermos.

(Goethe, Fausto I)

O mundo anímico também é habitado pelas “Mães”, criaturas geradas pelos deuses, mas pertencentes a uma hierarquia inferior, e que regem ou guardam, ou animam, ou vitalizam, seres vivos e fenômenos naturais. No Xingu, os Kamayurá denominam estas Mães pelo etnônimo Mamaé. Os índios Yagua, da Amazônia Peruana, distinguem, no Cosmo, as Hamwo (Mães). Uma floresta, com imensas árvores, arbustos, cipós, rios, peixes, pássaros, mamíferos, répteis, é cheia de “mães”(6). As Mães são forças viventes e animadoras dos seres, e também fontes de sabedoria cósmica, mestras dos xamãs. As Mães mais poderosas são aquelas que animam as “plantas fortes” (as que são mágicas, psicodélicas) e a certos animais – como o jaguar, os veados, a lontra, etc.. As Mães podem se manifestar aos homens sob diversas formas, diversas aparências, com cores e aspectos específicos para cada tipo. As cores, como experiências visuais privilegiadas, assinalam qualitativamente as Mães. Também elas assumem aparência teriomorfa (serpente, pássaro, jaguar, borboleta, tapir, minhoca, etc.), ou antropomorfa, ou de fenômenos (vento, fogo, água, etc..) e tem, conforme os índios, “velocidades” distintas. Entre as diversas culturas indígenas, estas “Mães” podem ser descritas não necessariamente como entidades femininas, pois a concepção indígena de espíritos da natureza transcende, neste caso, os gêneros. Daí é que temos em nosso folclore expressões como “mãe d’água”, “mãe do ouro”, etc..

As “Mães” são aquilo que Steiner denomina “entidades elementais da natureza”. A nomeação destas entidades, em Steiner, provém das tradições folclóricas e esotéricas européias e se contrapõe a uma noção materialista de natureza inanimada e mecânica. A existência e a interação com equivalentes americanos destas entidades são vigas-mestras da concepção indígena de saúde, doença e cura. Os Mamaé ,dizem os Kamayurá, foram criados por Sol e Lua e não vivem para sempre, um dia desaparecem, “vão como o vento”…Estão em tudo que é vivo.

Os “elementais” aqui do Brasil indígena não obedecem tão clara e simplesmente à concepção quaternária européia, colhida pelos folcloristas irmãos Grimm, de seres do fogo, do ar, da água e da terra (salamandras, silfos, ondinas e gnomos, respectivamente). Aqui, estes seres são concebidos como multiformes, constituídos de uma infinidade de tipos e de formas, em geral antropomórficos, mas também zoomórficos, ou mesclados entre algo que lembra o humano e algo que remete ao animal, geralmente envoltos em roupagens vegetais. Como os elementais europeus, os daqui não são bons nem maus, mas neutros – embora possam atuar num ou noutro sentido. Não são “demônios”, como interpretaram os jesuítas do século XVI. Antes, seriam forças irracionais, inconscientes, amorais da natureza, ligadas aos processos de vida e de morte. Alguns deles são “ogros”, seres predadores e canibais da floresta, descritos como “anões dotados de dentes pontiagudos, enormes corcundas e que exalam fedor” – não são essencialmente maus. Outros são descritos como lindas cunhãs enfeitadas, ou anões ctônicos, ou seres aquáticos ou alados…Nas festas indígenas, tais seres são invocados e celebrados – através de máscaras que os representam- para que convivam em paz com os humanos. Seriam manipuláveis pelo homem. Todo pajé tem um ou mais de um mamaé ao seu serviço. O indígena não concebe nada que se assemelhe ao ‘diabo” ocidental – o mal absoluto personificado. O “anhangá” visto como o diabo é uma deturpação dos jesuítas (originalmente seria um fantasma, uma assombração). Destruição, predação são contra-faces da Vida, e não o mal. Mesmo o mamaé kamayurá mais temido, Anhang.ú, não é mau, é selvagem como um jaguar, indomado, assustador, faz barulhos na mata e pode atacar. Por outro lado, “Tupã” nunca foi o Deus Supremo dos tupis, mas o elemental do trovão e do raio, entre outros elementais do panteão tupi. Steiner, por sua vez, afirmava que os “elementais são libertados pela cultura humana, desencantados pela espiritualização cultural dos elementos naturais”(7) – canto, dança e manufatura humana os libertam, ou seja, os retiram de sua condição “selvagem” e os remetem à uma condição domesticada, humanizada. Quando uma árvore morre, é porque seu mamaé se esvaiu, se retirou. Tornada uma canoa, ele se espiritualizou.

Estas entidades elementais da natureza, na cosmovisão indígena, geralmente estão associadas ou em íntima interação com as almas dos mortos (Anhang). Os Araweté dizem que as almas defuntas, ou antes os duplos dos corpos, são carregadas pelos Ani, elementais do interior da terra, de aspecto cadavérico, que vivem cercados de ossos e de podridão – detestam tudo que é vivo. Neste reino, tais almas serão entregues à Avó-Terra, grande entidade canibal que as devorará(4). A presença constante e perigosa das almas dos mortos, interferindo com o cotidiano dos viventes, é outra viga-mestra da cosmovisão indígena. As almas dos mortos não sabem que estão mortas e perambulam pelo espaço físico, impalpáveis, tentando sugar a vitalidade e a alma dos vivos, pois sentem frio e fome – conforme descrevem os índios. As diversas etnias indígenas criaram rituais – como o Kuarüp xinguano, para afastar e apaziguar as almas dos mortos, para que elas não ofereçam perigo para os vivos. Somente quando se tornam espíritos, as almas passam a ter uma função produtiva no Cosmos – o que também afirma Steiner. Eu diria, portanto, que o indígena desenvolveu, ao longo de milênios, um complexo conhecimento empírico de interação para com aquilo que os antropósofos classificam como “seres elementais” e como as almas dos mortos. “Natureza”, para o indígena, seria a expressão desta sobrenatureza, e não a natureza materializada concebida pelo iluminismo ocidental. Animais e plantas são inseridos na dinâmica do invisível, e são seres participantes de uma ordem espiritual inteligente. O indígena compreende que as várias entidades devem manter, para com os vivos, um certo equilíbrio de forças, uma condição de harmonia – que depende em muito da atitude dos viventes – e que esta interação entre planos visível e invisível é que determina a saúde, a doença, as colheitas, as chuvas, os ventos, a fertilidade da terra, a boa caça, a boa pesca, o uso das plantas mágicas e medicinais, a eficácia dos rituais, das danças e dos cânticos, etc…

MÚSICA E SONHOS: ELEMENTOS CÓSMICOS

Os índios Kamayurá, repetindo uma noção generalizada entre todos os índios das três Américas, afirmam que os espíritos, as almas e os mamaé são feitos de música (maraká), e que o elemento sonoro-musical é a via de comunicação, por excelência, entre os que estão sob a condição de mortais e os seres invisíveis. Daí a enorme importância da música e da dança para os índios. O pajé é necessariamente um cantor (marakaút), um dançarino (peaporahai) e um compositor, embora toda música e todo canto terrestres sejam apenas imitações imperfeitas de músicas e de cantos que são ouvidos no mundo anímico-espiritual, durante os sonhos. Um pajé acorda de manhã e anuncia à aldeia toda: “Esta noite sonhei e o espírito tal me deu este canto” – e se põe a cantar…Os instrumentos musicais – chocalhos, flautas, zunidores, instrumentos de percussão, etc. – são todos invenções toscas que tentam reproduzir os instrumentos verdadeiros (marakatap-aeté) que existem somente no mundo suprassensível. Um pajé me deu uma flauta de taquara de presente e me disse: “Esta flauta é falsa.” Meio perplexo, perguntei por quê ele dizia aquilo. Ele disse: “Porque a flauta verdadeira está com um mamaé, esta é só imitação”.

O mundo físico, também entre os guarani, é produto do Neen’g, o Verbo dos deuses. A Fala é o elemento criador. O Mavutsini xinguano criou gente a partir de dança, música e canto. Esta relação arquetípica do Verbo com a Criação é também uma das bases da antroposofia.

O sonho é outro elemento fundamental, aliás, para a comunicação entre o sensível e o suprassensível. O índio não reconhece uma descontinuidade entre sua vida cotidiana terrestre e aquilo que se passa quando ele sonha. O mundo dos sonhos é, portanto, também o mundo das almas, dos espíritos e dos mamaé. Cantar, fazer música e dançar são reproduções sensíveis do elemento dos sonhos. Ouvir as histórias sagradas também é remeter ao mundo musical do sonho. Steiner também diz, muitas vezes, da relação entre os sonhos e as realidades anímicas-espirituais.

PLANTAS MEDICINAIS

Os pajés, curadores por excelência, atuam, assim, a partir dos sonhos e a partir da música. Seu diagnóstico das doenças, o prognóstico e o tratamento escolhido – rituais, banhos, beberagens à base de misturas de plantas, etc. – vai depender do que seja revelado pela música, pela fala cantada (kewére, a prece) e pela dança. O grande veículo mercurial que liga os atos xamanísticos do pajé ao suprassensível é o tabaco, o fumo. Em geral, utilizam-se variedades exóticas de tabaco (Nicotiana rustica e outras), diferentes do tabaco industrial, e misturas de ervas diversas, cujas folhas são secas e preparadas sob a forma de um charuto – o Petüm (origem do termo “pitar”).

Na mata atlântica, um pajé me mostrou uma determinada planta – imeneop – à qual ele atribui o poder de curar esta doença de brancos denominada diabetes –o que foi a ele revelado por seu mamaé. É uma planta oleoginosa, que exala um perfume fortíssimo, e que, conforme o mito xinguano, foi usada por Mavutsini para perfumar e firmar a forma original do ser humano recém-criado. Colhi a planta, levei-a ao departamento de botânica da universidade para sua identificação: Siparuna guianensis, da mesma família do Peumus boldus, monimiáceas. É desconhecida sua ação anti-diabética, até então, mas se sabe que tem princípios ativos antiofídicos, anti-oxidantes e anti-inflamatórios. A observação goetheanística revela uma planta que irradia uma atmosfera de calor em torno de si, de folhas generosas e bem desenhadas, frutinhos vermelhos que lembram o café maduro. Isto aponta para o organismo calórico humano, para os processos térmicos que permitem a encarnação de eu – conforme a linguagem antroposófica. Como a planta tem baixa toxicidade, passamos a utilizá-la clinicamente, testando sua eficácia na diabetes do adulto, em preparados dinamizados. Da mesma forma, temos seguido este procedimento em relação a inúmeras outras plantas nativas.

Em termos antroposóficos, dir-se-ia que as plantas dotadas de forte astralidade e cheias de alcalóides, como o tabaco, ou o paricá (Anadenanthera peregrina), tornam-se mediadores entre o mundo sensível e o mundo anímico-elemental – uma vez inseridas no corpo dos pajés. O objetivo destas plantas é o da indução de estados alterados nos pajés. Todavia, os mais experientes deles alteram seus estados de consciência simplesmente pelo canto e pela dança. As plantas que exalam óleos voláteis, sendo, portanto, odoríferas, são geralmente utilizadas como plantas de limpeza ou como capazes de reconstruir limiares rompidos entre pessoa e mundo (“fecham o corpo”) – como, por exemplo, a Siparuna guianensis. Um pajé kamayurá me disse algo típico: “As plantas são maraká (música) e cantam o tempo todo. Tratar com plantas é o mesmo que o tratamento com cantos e instrumentos”. A harmonia musical das plantas reorganizaria e exorcizaria as desarmonias da musical e orquestral alma humana. As plantas são consideradas dádivas primordiais de Kwat, o Sol, foram deixadas na terra pelos deuses quando partiram. Os animais, por outro lado, não são música, mas são feitos de Ne’eng (fala) – mais terrenos.

O espaço aqui não permite uma explanação ampla do Caá-Nhemoé – o ensino das plantas Tupi. O índio tem uma intensa relação com o vegetal. Faz sal de aguapés e de palmáceas; faz arcos e flechas, casas, redes, transforma mandioca venenosa em comestível; faz venenos para caça e pesca, pigmentos e temperos, e remédios. Os Guarani, como os Kamayurá, possuem a noção de que a planta é um ser solar, algo espiritual, que tem relação com o mundo musical cósmico. O Sol em pessoa ensinou aos primeiros homens quais os cantos que deveriam ser entoados quando se colhem medicinais/" title="View all posts filed under ervas medicinais">ervas medicinais. Os elementais das plantas, através de cantos, são invocados e atiçados contra os elementais canibais da doença(8). Muitas vezes, o elemental da planta é o mesmo elemental causador da doença: o selvagem contra o domesticado (uma homeopatia xamânica). As plantas precisam ser “acordadas” através da musicalidade. Se não acordada, a planta é somente “forma”. O antropósofo diria que o indígena enfatiza as essências etérica e astral das plantas, mais que sua forma física. Colhidas, as plantas podem ser usadas sob a forma de banhos (Okutsinok, limpeza, em kamayurá), ou infusão (muanarip), ou vapor (omuiauk), ou como colar (ypohüt). Também existe a técnica de se raspar a pele e se aplicar sobre o local o cataplasma da planta (oyait). Algumas plantas de minha pesquisa são: Uuitang (Myrcia selloi), que tem um córtex adocicado, sendo a raíz tanínica usada para gargarejos e anti-inflamatória, também de “limpeza”; Depopsiatã (Helicteres guazumaefolia), usada para diarréias, tanínica; Yaukap (Eupatoria sp.), cuja raíz perfumada é usada também para “limpeza”; Yacaré-aruái (rabo-de-jacaré, epífita não identificada), que é excelente para mialgias, aplicada sobre a pele escarificada; Mutuhuku (Tibouchina sp), melastomácea excelente para pneumonias e bronquites, usada como emética; Matawi (Xilopia brasiliensis), grande árvore ammonácea, com ela se fazem as toras das ocas dos caciques, cheia de óleos aromáticos e alcalóides, usada para doenças da pele e “limpeza” (banhos) e para enxaqueca.; Urapahán (Cecropia sp), usada para estimular crescimento infantil; Mamaé-Areá (Dichondra microcalix), para sonhar bem; e muitas outras. O grande segredo indígena é a mistura de ervas, produzindo, assim, combinações novas que tem efeitos inéditos aos efeitos de cada planta isolada. O branco pensa nas plantas isoladamente.

OS ÓRGÃOS INTERNOS, OS PLANETAS E O COSMO INDÍGENA

Para o pajé Kamayurá, como típico tupi, os órgãos anatômicos se confundem com funções anímicas. Um órgão interno e sua fisiologia não é imaginado como “carne inerte”, ou como algo mecânico, mas como expressão ou parte das atividades psíquicas de homens ou animais. O coração (Ye-rowé – meu coração) é a atividade afetiva da alma; o pulmão (Ipotsiá) se confunde com a “respiração” e a sede do neeng, a palavra-entendimento tornada corpo; o fígado (peré ) e os rins (üke-aü) são instâncias anímicas de consciência que devem ser guardadas de “infecções” causadas por mamaés ou anhangs. O sangue é espiritualizado. Segundo um antigo mito tupi, a Via Láctea se formou através do espirro de gotas de sangue de heróis divinos. Os órgãos sexuais são vistos como algo de fora que foi incorporado aos homens e mulheres. Um mito Juruna conta que o pênis ficava chorando, chorando, querendo a vulva. Só parou de chorar quando puseram os dois juntos. O Criador juruna então resolveu por tais órgãos entre as pernas humanas. A anátomo-fisiologia indígena é inseparável da sua psicologia, e descritas por imagens e mitos.

Os índios do Xingu constróem suas aldeias conforme uma planta circular, estando a “casa dos homens” no centro do círculo. O céu estrelado, aparece como uma gigantesca cúpula de planetário natural. Toda a aldeia é orientada conforme as direções do poente e do nascente, norte e sul, planetas, estrelas e constelações recebem nomes mitológicos – incluindo os espaços escuros do céu. São seres míticos que desfilam “pelo espaço interno da aldeia”, diariamente. Assim, toda a aldeia, embaixo, é uma imagem especular do Cosmo, acima, e a sombra da casa dos homens, durante o dia, funciona como um gigantesco relógio. As constelações demarcam época de chuva e seca, época de plantio e colheita, época de festas, etc.(9). As estrelas alfa e beta do Centauro são os dois olhos brilhantes do Grande Jaguar, pai do Sol e da Lua, que nos fitam do céu. Os guarani reconhecem quatro diferentes qualidades cósmicas, irradiadas pelo norte, sul, leste e oeste – configurando quatro tipos de almas que descem à terra, cada qual ligada a um grande espírito e portadora de qualidades específicas que serão registradas em seus nomes e estarão visíveis em sua forma física. Nimuendaju(5) admitia que esta noção guarani corresponderia `a noção euro-ocidental de quatro temperamentos como resultantes de quatro qualidades de forças formativas cósmicas.

Na cosmovisão antroposófica de Steiner, os planetas são essencialmente forças que ordenam o cosmo interno do homem, configurando-o, “o homem é um cosmo planetário”.

Embora encontremos representações ameríndias – maias, astecas e incas – muito precisas a respeito do sol, da lua e dos planetas e astros (justamente entre etnias que tinham metalurgia, escrita e calendários complexos), as imagens astronômicas dos demais índios, até os atuais, é mais difusa e complexa de se decifrar. Os planetas estão lá. Sol e Lua são os gêmeos antípodas – Tanendonare e Aricoute , em tupinambá antigo, Kwaracy e Yaci, na língua geral - Kwat e Yaü, em kamayurá atual. Os outros astros são expressos como seres míticos, como animais sagrados, que exercem uma função cósmica definida. Aquilo que os antropósofos chamam por “arquétipos planetários” estão difusos, dissolvidos, fundidos, nos mitos indígenas atuais, no meio de personagens e espíritos. Há um contraste evidente, na imaginação indígena, entre um Cosmo ordenado pelos deuses – Monan, Sol e Lua – e as forças do Caos, jaguares primordiais, que tentam devorar tudo. As eclipses do sol e da lua são vistas como o canibalismo do Jaguar celeste, que devora sol ou lua – lançando o mundo no caos. Por isto, em eclipses, os pajés convocam as aldeias para ritos de resguardo. Nos eclipses, os mamaés e anhangs invadem o mundo dos vivos e causam distúrbios: Alterações no céu correspondem a alterações na terra. Conforme o mito tupi, foram justamente Sol e Lua que venceram os jaguares primordiais, instaurando a ordem cósmica no mundo (no microcosmo humano também, portanto, quando o ímpeto civilizador e ordenador do espírito humano supera o ímpeto canibal e de animal predador). Na doença, o indivíduo é, portanto, possuído pelas forças cósmicas que tem parentesco com as forças do caos – forças canibais. São as forças canibais que, vaidosas, querem conquistar o Cosmo pelo devoramento e pelo ódio guerreiro. Sinais e sintomas, como febre, inchações, convulsões, dores, abcessos, etc., são interpretados como ação de mamaés selvagens, que seguem a lógica predatória dos jaguares primordiais, rompendo a ordem cósmica interna – a qual deverá ser restabelecida pelo pajé. Tais forças, dizem os índios do Xingu, regiam a alma dos antigos e atuais “índios bravos”, dos que eram canibais, dos brancos e de tudo que come carne(10). Cabe ao pajé restaurar a ordem cósmica – como fizeram sol e lua – curando o doente. O pajé transforma as forças do caos, do ímpeto canibal dos mamaé selvagens, em forças civilizadas (do sol e da lua) – como observou o antropólogo alemão Münzel(11). Mavutsini-Monan é o Criador, detentor da Imagem Arquetípica do Homem – pois ele fez gente dando-lhe olhos, pernas, braços, cabeça e adornos plumários conforme a sua própria imagem e semelhança. A força mais poderosa a qual um pajé recorre quando ameaçado por mamaés caotizadores é Ele, Mavustsini. Ele tem um “sol em seu peito, mas não é este sol do céu, é outro sol” – dizem.

A CONSULTA DO PAJÉ

Quando o médico antroposófico está diante de seu paciente, procura ver neste não apenas a forma física, mas também a dinâmica psico-espiritual do ser humano. A doença será vista como um processo que contém um significado existencial, ao mesmo tempo que é ruptura de um equilíbrio instável. Para o indígena curador, o paciente também é uma forma física e uma dinâmica psico-espiritual rompida em seu equilíbrio instável; sendo o doente afetado por três tipos possíveis de doenças: Doenças corporais, doenças de branco ou doenças espirituais. As primeiras são tratadas não pelo pajé, mas pelo “raizeiro”(Yapóayat) homem ou mulher que tem o conhecimento das plantas tradicionais. É um tipo inferior de pajé, cujo modo de raciocinar é tanto “alopático”, quanto “homeopático”. As doenças de branco (Karaib-auãn) são aquelas que os caraíbas trazem (como resfriado, sarampo, tuberculose, sífiles, Aids, por exemplo) e que eles próprios tem remédios (são produzidas por umas “coisinhas pequenas que ninguém vê”). As doenças espirituais são da alçada dos pajés. O diagnóstico e a distinção entre os tipos de doenças é feito pelo pajé ou se dá por eliminação. Podem fazer adoecer , ou matar, uma pessoa os mamaé ou as almas dos mortos. Mas isto acontece somente se a pessoa quebra alguma defesa e se expõe a algum interdito rompido. O pajé trata das doenças causadas por forças suprassensíveis que produzem manifestações corpóreas e/ou anímicas.

As doenças que o pajé trata são invasões dos mamaé ou dos mortos para dentro da dinâmica orgânica dos vivos – desde que os vivos tenham, antes, se aberto às tais influências. A alma dos vivos pode ser sugada, vampirizada e “roubada” por uma entidade elemental (mamaé), ou por um morto (Anhang), por exemplo. O paciente será visto pelos parentes como tendo ficado “abobado”, estático, ausente. Este é o quadro clássico de Soul Loss (em inglês, perda de alma), observado entre várias sociedades tribais, na África, na Ásia e nas Américas. Uma criança repentinamente ficou “autista”. O pajé é chamado, identifica qual elemental roubou a alma da criança, negocia com este elemental e devolve a alma. Os diversos elementais-mamaé produzem síndromes características que são identificadas e tratadas especificamente: Tal mamaé da água produz inchações; tal mamaé do ar produz tosses e dispnéia; tal mamaé de tal árvore produz dores abdominais; etc.. Um indivíduo vai cortar uma árvore. Não percebeu que esta árvore tinha um “dono”, um mamaé-da-árvore. Dias depois de cortar a árvore, o indivíduo adoece – sem saber por quê. Nenhuma erva ajuda na cura. O pajé é chamado. Ele vem ver o paciente, deitado na rede. O pajé sonha à noite ou tem uma visão depois de fumar seu tabaco: O paciente adoece porque cortou uma árvore que tinha “dono” – havia um elemental dentro da árvore. Este elemental o atacou, introduziu no corpo do paciente um pequeno elemental–canibal que desorganiza os humores do paciente. O pajé identifica o elemental-mamaé e sabe qual é o ritual apropriado a esta raça de mamaé, para afastá-lo do paciente. Antes disto, o pajé deverá retirar o mal, soprando tabaco, sugando a pele do paciente, cantando, e expulsando-o através de uma espécie de “passe magnético” que puxa para as extremidades a força intrusa. Alguns pajés costumam “materializar” o mal, exibindo-o na palma da mão, como um pequeno objeto escuro – que é logo desmaterializado através de uma baforada de tabaco. O doente ainda terá que ingerir determinadas plantas eméticas e purgativas, banhos e escalda-pés para ficar “limpo”(pipotsu) – pois a doença é vista como presença de uma ‘sujeira’ (Ywaú). O doente “se sujou” porque estava “fraco”, e deverá ser transformado em “forte”, pela ação do pajé.

Entre médicos antroposóficos, a interferência negativa dos mortos sobre os vivos geralmente não é tratada, embora uma hipótese que deveria ser pensada. A questão é remetida ao âmbito da medicina pastoral e à atuação do sacerdote. No Brasil, todavia, pacientes espíritas ou esotéricos podem procurar ajuda para este tipo de questão entre ajudadores mediúnicos urbanos.

Muitas pessoas são “feiticeiras” (moanaia’t – fazedor de mal), para o indígena. Não se trata só de uma atividade específica, mas de uma atitude pessoal. Uma pessoa muito raivosa, cheia de ódio, ciumenta, invejosa, movida por sentimentos e desejos ruins, torna-se moanaia’t. É uma pessoa que pode contagiar toda uma comunidade, pois torna-se produtora de males, semelhante a um morto ou a um mamaé irritado. Ela passa a invadir ‘energeticamente’ a vitalidade dos outros, produzindo doenças, epidemias e azares diversos. Em outros tempos, uma pessoa assim, reconhecida como tal, praticante, deveria ser morta. Uma das atividades do pajé é a de ser um neutralizador das pessoas feiticeiras. Ele deve dissolver o mal que estas pessoas produzem, identificar quem são estas pessoas e apontá-las. A medicação que o pajé utiliza não é escolhida por ele próprio. Primeiro ele deve dormir e sonhar. Sua alma, então, transforma-se em pássaro e faz o ovewé, voa para um dos cinco planos dos espíritos. Do outro lado, livre do corpo, o pajé fala com seu mamaé-guia – um xerimbabo(12) invisível que o acompanha desde que se tornou pajé. O mamaé-xerimbabo mostra ao pajé o que causou a doença e quais plantas ou medidas serão indicadas para o caso. De manhã, o pajé dirá que “sonhou” e que seu mamaé lhe mostrou qual é a planta medicinal e o que mais deve ser feito. Quando uma pessoa adoece grave ou freqüentemente, é porque precisa mais do que uma pajelança, ela precisa oieut – mudar de vida, oieré’p – transformar-se. Esta seria a cura completa.

Para o médico antropósofo, o elemento imaginativo, e também o inspirativo e o intuitivo, devem atuar em sua alma como um mundo de “musas”, de imagens e de insights – através de um vôo imaginativo. O seu xerimbabo é aquele elemento intuitivo, o daimon socrático, o afluxo de intuições do espírito. Intelectualmente e vivencialmente, ele deve descobrir as forças curativas. De modo distinto do pajé, o médico poderá ver, descortinado ao seu olhar, as relações arquetípicas-curativas dos elementos. A terapia e os medicamentos lidam diretamente com as forças arquetípicas elementais e com o campo anímico que se torna seu palco de atuação.

CONCLUSÕES

Há uma convergência entre certas noções da antroposofia e certas noções nativas indígenas - espíritos da natureza presentes nas plantas, atuantes na cura e na doença, elementares produzidos pelas pessoas que atuam no meio social, a necessidade de transformação do indivíduo (noção esta perfeitamente clara para o indígena, que vive em sociedades anárquicas, sem governo, onde cada um é responsável por si próprio). A linguagem e o contexto são, entretanto, distintos.

Rudolf Steiner disse uma vez que há uma “linguagem invernal” (da racionalidade fria, da lógica linear, a qual estamos acostumados) e há uma “linguagem de verão”(imaginativa, mítica, mágica, pueril). Lévi-Strauss(13), antropólogo francês, chama à linguagem de verão “pensamento selvagem” e à linguagem de inverno, “pensamento domesticado”. Disse Steiner ainda(7) que o mundo sensível pode ser interpretado pela linguagem de inverno, que é cerebral, mas o mundo suprassensível só pode ser entendido pela linguagem de verão, que é a mesma linguagem que os mortos falam e a dos sonhos e mitos. Ele disse mais: que a antroposofia deveria consistir em transpor a linguagem de verão para uma compreensão pela linguagem invernal. Eu diria que os índios falam, predominantemente, uma linguagem de verão (embora saibam e tenham também sua própria linguagem invernal). E o drama do índio é o de ter sido lançado brutalmente no mundo predominantemente invernal do branco moderno, desde quando o colonizador chegou às Américas, há 500 anos. Por outro lado, o invernal branco moderno está constantemente buscando resgatar sua própria e obnubilada natureza de verão (a existência de antropósofos que acreditam em gnomos, de arte e de religiões no mundo moderno é uma evidência disto).

Que afinidades ligam antroposofia e pajé? O pensar pelo verão. Primeiramente, a noção de que muitas doenças decorrem de uma condição não somente intra-orgânica, pois a organização humana não pode ser isolada de contextos cósmicos do entorno. Adoecemos por causa da qualidade das interações que os diversos níveis do nosso ser realizam com os diversos níveis do Cosmo. Entre estes níveis do entorno cósmico, também devemos situar as nossas relações sociais e afetivas – todo ser humano é potencialmente feiticeiro, produtor de elementares negativos, capazes de “sujar” a psiquê e a vitalidade própria e dos outros. O índio tem, assim, a noção de uma “ecologia’ do espaço psíquico e vital. Outra coisa que poderíamos ver em comum é que desta interação homem e forças da natureza, uma vez enfraquecida a organização e a estrutura interna do primeiro, as últimas invadem, atacam, afetam e infectam o microcosmo interno do homem. Como pode o terapeuta ajudar cada paciente a manter seu “corpo fechado”? Outra coisa ainda é que melhor do que plantas, remédios ou pajelanças é o oieré’p, transformar da pessoa para uma condição melhor e mais ampla de vida. Há causa possível de doenças em cortar uma árvore, sentir raiva ou medo, ter inveja ou ciúme, adentrar-se ou derrubar uma mata, entrar num rio, sujar um rio, passar por determinados lugares habitados por “mortos” ou por “mamaés” – pois suprassensível e sensível se imiscuem inseparavelmente num Todo e o ser humano interage com isto. O espaço físico é também um espaço animado, vivente, habitado por forças dotadas de desejos e de certo nível de consciência. Euritmistas antropósofos fecham as janelas para que elementais não interfiram. Índios fecham suas ocas, à noite, para que mamaés não entrem. Estamos imersos neste espaço. Para o índio, o mundo é feito de música, de sonoridade, sonoridade que segue leis cósmicas de criação e de predação. Quando Monán, o Criador tupinambá, ou Mavutsini, o Criador kamayurá, fez os homens, os fez de troncos de árvore, mas os dotou de vida e de alma cantando e dançando – caso contrário seriam inertes como rochas. Depois, vieram os gêmeos míticos, filhos de Monán-Mavutsini, e criaram animais, plantas, águas, estrelas e tudo mais, sempre cantando, soprando, dançando. Vivemos assim, conforme o índio, num mundo animado e dançante, encantado – um mundo de verão – que tentamos decifrar invernalmente…

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