Cozinheiros sem forno nem fogão

Consumo de alimentos naturais e hipocalóricos, aquecidos a uma temperatura inferior a 40 graus centígrados, é o primeiro passo para quem pretende seguir à risca a culinária viva


Ele não prega uma mudança radical de hábitos alimentares. Aprendeu com sua mestra, Ana Branco, professora do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio, adepta da alimentação viva há mais de 20 anos, que é perigoso mudar de repente. “Os alimentos industrializados e as misturas de amido com proteína são altamente acidificantes e causam dependência. Seria um choque passar, de repente, para os alimentos crus. É como a desintoxicação de drogas pesadas. Tem que ser aos poucos”, diz o gastroenterologista Alberto Peribanez Gonzalez.

Como endoscopista do Hospital Universitário Estácio de Sá e coordenador da Oficina da Semente, Alberto propõe uma mudança cultural, já que alguns alimentos estão muito arraigados desde a infância. “São docinhos de leite, sorvetes, pudins, feijoada, churrasco, bolos e tortas, gorduras hidrogenadas, como a da margarina, amidos, açúcares e proteínas animais, como ovos, carnes vermelhas e brancas. Não importa o que a pessoa coma, mas é preciso pegar o caminho de volta para uma alimentação natural, com o leite da terra, os sucos verdes, as sementes germinadas e o pão dos essênios”, explica.

É por isso que ele gasta mais de uma hora só na prescrição da receita. Depois de ouvir o histórico do paciente, de fazer o exame clínico e pedir exames laboratoriais de rotina, “dou uma longa aula sobre culinária viva. O primeiro segredo é não perder as enzimas ativas com o cozimento dos alimentos, que não devem passar de 40 graus centígrados, o mesmo calor do corpo. O termômetro é a mão, colocada dentro da panela morna, com ou sem luvas. Se estiver na temperatura da mão, é hora de desligar o fogo”.

Outro segredo é que alimentação viva é hipocalórica. Os amidos usados são crus, como batata, cará, mandioca. Na Oficina da Semente , não há farinhas nem açúcares. O único pó branco usado é o sal grosso ou marinho. “Reduzindo o gasto energético do corpo, a carga micótica será menor, pois os animais microscópicos chegam por meio da alimentação. As fezes desses fungos que vivem em nosso organismo produzem as micotoxinas. Sabemos que essas toxinas são excrementos dos fungos.” Uma delas, por exemplo, é a toxina aldeídica, responsável pela formação do colesterol LDL no fígado, em decorrência do excesso de amido e açúcar. Esse é o outro segredo da alimentação viva. Reduzir a ingestão de amido e açúcar e, conseqüentemente, a população de fungos no organismo.

A consulta ainda não acabou, porque Alberto quer denunciar uma outra microtoxina poderosa, um veneno protoplásmico, que atua no núcleo celular, retirando todas as suas vitaminas: o álcool, que desarranja a célula. “Sou um professor universitário e, pelo menos duas vezes ao ano, faço um discurso para os meus alunos contra o álcool, que é uma toxina de fungo. Tanto o álcool do vinho, passando pela cerveja, até o uísque e a cachaça. Primeiro, há a fermentação por animais microscópicos que defecam no organismo. E o excremento desses animais chama-se álcool.”

No receituário de Alberto entram também os segredos do liqüidificador; da moagem; do biossocador feito de pepinos e cenoura para triturar os alimentos; e também como retirar o amido dos produtos, como ralar, hidratar, desidratar, prensar, germinar os brotos e sementes e até como abrir cocos, refogar verduras e amornar pratos.

Na cozinha

Indiferentes ao pagode que grita nos rádios das casas da Lapa, na zona boêmia do Rio, Alberto recebe os primeiros clientes para o almoço vegetariano. Há cinco meses no Brasil, o francês Arzhel Racine, de 24 anos, prepara a sobremesa sem nenhuma pitada de açúcar. É dele também o leite da terra com vegetais e água de coco. Já Ana Luzia da Silva, de 35, também agente de saúde da Oficina da Semente, faz uma caldeirada de frutos do mato. Depois de morar 10 anos no Canadá e quatro meses na Índia e na Tailândia, ela coordena os cursos da alimentação viva. Apesar de ter sido macrobiótica por mais de 15 anos, Ana está gostando dessa nova culinária. Reconhece que alguns pratos ainda não foram bem digeridos, mas está livre dos gases que bloqueiam o fluxo de energia.

Mesmo não comendo carne há mais de 20 anos, a passagem para a alimentação viva já trouxe vantagens. “Minha pele melhorou, não tenho mais sono e cansaço depois do almoço”, diz ela, enquanto rala cenoura e cará, pica cebola fininha, brócolis americano, trigo de quibe germinado.” Separada e sem filhos, ela foi ao Rio de Janeiro para aprender que os grãos germinados potencializam o poder dos nutrientes em até 20 mil vezes.

Alheia aos gritos dos bêbados lá fora, ela vai plantando as sementes de um mundo melhor, junto com Arzhel e seus alunos Priscila Ramalho, Marcos Odara, Ângela Santana e José Cláudio Leal, ávidos por saúde. O contraste entre o que se passa fora e dentro do casarão de três andares não incomoda os aprendizes dessa medicina integrativa. “Estamos harmonizando a Rua Joaquim Silva”, proclama ela, sob os olhos orgulhosos de Alberto, que tem muitos projetos comunitários para os morros do Vidigal e do Turano, no Rio, e também na Favela do Preventório, em Niterói – a laje biogênica, com o uso da energia solar na preparação dos alimentos. Seu maior sonho é que os moradores transformem as lajes de seus barracos, com a germinação das sementes. “A laje passa a ser um local de alimentos vivos, energizados, prontos para serem consumidos por famílias de classes sociais menos favorecidas. É um projeto embrionário ainda, mas que pode mudar a vida na Terra, sem guerras, destruição da natureza. É o primeiro passo no caminho da paz”, diz.


Déa Januzzi
Do Rio de Janeiro




Alimentos vivos

Técnica culinária usa produtos crus, orgânicos e funcionais, deixando de lado processos de industrialização e de cozimento, para a prevenção de doenças e preservação da saúde


Você já experimentou leite da terra, suco do Sol, pão dos essênios e musse de rosas? Não? Então, venha e esqueça o árido estilo da alimentação contemporânea. Nada de fast food, delivery, microondas e freezer, pesticidas ou aditivos químicos, pois um novo conceito de alimentação está ganhando adeptos em todo o mundo: a culinária viva, vega ou crudivorista, uma dieta à base de alimentos vegetais in natura, que não passam pelo processo de industrialização ou de cozimento. É o que mostra o médico gastroenterologista carioca, Alberto Peribanez Gonzalez, de 45 anos, formado em medicina pela Universidade de Brasília (UnB), mestre e doutor pelo Instituto de Pesquisa Científica de Munique, na Alemanha, e autor do livro Lugar de médico é na cozinha, lançado pela editora Universidade Estácio de Sá, onde ele é professor de fisiologia cardiovascular.

Para conhecer as idéias do médico, é preciso visitar um casarão histórico de três andares, na Lapa, na zona boêmia do Rio de Janeiro. Num dia de chuva fina, sob os arcos da Lapa, a equipe do caderno Bem Viver chegou à Oficina da Semente, com pequeno restaurante logo na entrada e uma cozinha, que é espécie de laboratório vivo, onde ele desenvolve técnicas culinárias para que os alimentos funcionais, orgânicos, germinados e crus possam ser assimilados por famílias de todas as classes sociais, na prevenção de doenças e preservação da saúde.

Na mesa posta do bistrô, o almoço começa a ser servido: salada verde, com chicória, alface, abacate, tomate e uva passa. Em seguida, vem a cevadinha, sopa, verduras amornadas e uma sobremesa que não leva açúcar, mas encanta o paladar. O leite da terra, com água de coco e castanhas é um néctar dos deuses.

Ao fundo, os cozinheiros Arzhel Racine, um francês de 24 anos; Ana Luiza da Silva, de 35, de Maceió; e outros alunos que são considerados pelo médico como agentes de saúde, pois estão ajudando a divulgar a alimentação viva. Na bancada da cozinha, germinam brotos de girassol e de trigo. Uma velha geladeira, que funciona no frio mínimo, guarda legumes, hortaliças, ervas frescas e frutas de todas as cores e sabores. O azeite extravirgem é o único usado no preparo dos alimentos. Assim, nenhuma gordura saturada vai ficar colada nas paredes da cozinha ou das artérias do coração. E, como não há cozimento, os nutrientes são inteiramente preservados.

Por instantes, Alberto sobe as escadas até a laje da casa, onde está preparando o pão dos essênios, cuja receita foi ensinada por Jesus Cristo e retirada dos manuscritos do Mar Morto. Como Hipócrates, o pai da medicina, Alberto Gonzalez, acha que o alimento é um dos caminhos da cura, o melhor remédio. E veste o avental para ensinar 88 receitas de alimentos crus e fáceis de preparar. Mas vai logo avisando: “Sou um médico normal. Em minhas consultas, o que muda é a prescrição”.

Déa Januzzi
Do Rio de Janeiro

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