Desafio vegetariano
NutriViva - 2007 - Pampulha - Belo Horizonte - MG - dia 2 de Junho
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Danilo Verpa/Folha Imagem | Tatiana Ribeiro Alves, 28, que segue dieta vegana (sem qualquer derivado animal) |
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
Vegetariano não come carne. A definição é muito clara e direta. Mas, em tempos de alimentos cada vez mais industrializados, ela precisa de um upgrade. Afinal, uma olhada mais atenta no rótulo de produtos como sorvetes, sucos e mesmo leite de soja pode mostrar que eles não são tão "verdes" quanto aparentam: no processo de fabricação ou na composição, contam com aditivos de origem animal. Um exemplo inusitado é a cochonilha -um corante feito a partir de besouros. Originário do México e considerado uma praga, o besourinho possui um pigmento capaz de dar um tom vermelho aos produtos. Por isso, a cochonilha costuma ser adicionada a sucos, como o de uva, e bebidas e biscoitos com sabor de morango, entre outros.
Identificar o aditivo nem sempre é simples: além de cochonilha, ele pode aparecer como carmin, cochineal e colorizante E120, afirma a socióloga Marly Wincler, presidente da SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira). "Muitos produtos têm escondido na 'caixa preta' dos rótulos componentes de origem animal, por isso os vegetarianos e veganos são infatigáveis leitores de rótulos."
Para facilitar esse trabalho, a SVB decidiu criar um "selo verde", voltado a produtos que não utilizem nenhum componente de origem animal. A idéia é que ele sirva de parâmetro para os vegetarianos, assim como o selo desenvolvido pela Anad (Associação Nacional de Assistência ao Diabético) representa, para quem tem a doença, a garantia de que determinado produto está adequado a suas restrições alimentares. Segundo Wincler, a SVB está na fase final de estabelecimento dos critérios da certificação e da criação do design do selo, e algumas empresas já manifestaram interesse em contar com a certificação.
Enquanto isso, algumas empresas buscam por conta própria se aproximar das exigências desse tipo de consumidor. Um exemplo é a Olvebra, especializada em produtos à base de soja, que contratou a consultoria NutriVeg para analisar se algum de seus produtos leva componentes animais.
Em outros casos, são os consumidores que pressionam as empresas por mudanças. Um caso recente ocorreu no Reino Unido, quando a fabricante de chocolates Masterfoods divulgou que passaria a usar substâncias de origem animal. A Vegetarian Society ( www.veg soc.org) organizou uma campanha e, após um bombardeio de e-mails e telefonemas, a empresa voltou atrás.
Outra forma que a entidade encontrou para pressionar as empresas é a realização do concurso anual Imperfect World Award (prêmio do mundo imperfeito), que indica os produtos que os vegetarianos mais gostariam que não utilizassem componentes animais. Na última edição do prêmio, divulgada em março, a cerveja Guinness ficou em primeiro lugar. Isso devido ao uso de um colágeno obtido de peixes na fabricação da bebida -a substância deixa o líqüido menos turvo.
Mas a batalha dos vegetarianos também esbarra em alguns mitos. Entre os que consomem leite, por exemplo, existe a preocupação de evitar alguns tipos de queijo, que seriam feitos a partir da quimosina. Também conhecida como renina, ela é uma enzima que seria retirada do estômago dos bezerros para coalhar o leite.
Mas, segundo o engenheiro de alimentos Luiz Eduardo de Carvalho, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), esse é um método de fabricação muito antigo. Atualmente, afirma, a fabricação de queijos utiliza bactérias transgênicas, criadas para funcionar como "usinas" produtoras de quimosina. "Também as enzimas colocadas na farinha de panificação são produzidas assim", afirma Carvalho.
Saúde
De acordo com o médico Eric Slywitch, especializado em nutrição vegetariana e, ele mesmo, adepto da dieta vegana, essa preocupação com o uso ou não de aditivos de origem animal costuma estar ligada ao motivo pelo qual a pessoa se tornou vegetariana. Quem adotou esse tipo de dieta por acreditar ser melhor para a saúde, por exemplo, tende a evitar qualquer tipo de corante, conservante etc. -sejam eles de origem animal ou vegetal.
Mas também há quem siga os preceitos éticos do vegetarianismo e deixe de lado os aspectos nutricionais da dieta. Assim, nada de origem de animal é permitido, mas qualquer alimento rico em gorduras, sódio ou açúcar é consumido sem preocupação. O consumo excessivo de doces e gorduras é, aliás, um dos problemas mais comuns em vegetarianos, diz Slywitch. "A dieta saudável vegetariana é baseada nos grãos -principalmente os integrais-, verduras, legumes e frutas."
Em alguns casos, a substituição de componentes de origem animal por outros de origem vegetal pode levar a uma perda nutritiva do alimento. A gelatina é um exemplo: feita a partir de ossos, tendões e peles de animais, ela é muito adotada em balas, recheios de confeitos e outros doces. Versões "verdes" desses produtos poderiam substitui-la por ágar-ágar -um gel obtido a partir de algas.
O problema é que a segunda opção não tem as mesmas propriedades nutricionais da gelatina, afirma Flávio Luís Schmidt, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). "A gelatina é muito boa nutricionalmente, com vários aminoácidos indicados para a nossa dieta. Embora não se compare a um bife ou a um ovo, é também uma boa fonte de proteína", afirma. Já o ágar-ágar é uma fibra - como tal, pode até ajudar no processo digestivo, mas Schmidt ressalta que seu consumo por meio de balas e doces seria insuficiente para ter qualquer impacto desse tipo.
Já o corante feito a partir de cochonilhas pode ser substituído tanto por opções artificiais como por alternativas naturais, como o urucum, a casca de uva e a beterraba. Mas, segundo Carvalho, da UFRJ, o uso de vegetais na obtenção de corantes seria mais caro e menos eficiente, pois o alimento perderia a cor facilmente.
O mais indicado, segundo o nutricionista George Guimarães, da NutriVeg, é consumir alimentos pouco processados. Quanto mais industrializado for o produto, maior a chance de ele ter substâncias que podem ser obtidas de animais. E quanto mais natural o alimento, mais saudável ele é -dica que, afinal, vale para quem segue qualquer tipo de regime alimentar.
A instrutora de ioga Tatiana Ribeiro Alves, 28, nem lembra mais o gosto de carne, mel, leite ou de qualquer outro derivado animal. Aos 15 anos, ela leu um livro sobre "a crueldade de matar um animal para comer" e mudou seus hábitos. "Descobri que eles não ficavam livres e soltos. Eles sofrem muito e são criados para morrer." Adepta da dieta vegana, Tatiana coordenou muitos abaixo-assinados e entrou em contato com amigos para que eles também ligassem para empresas protestando contra o uso de substâncias de origem animal. "É comum uma marca lançar uma linha vegetariana e colocar corante animal, sem necessidade. Às vezes é por ignorância", diz.
Ex-macrobiótico, o terapeuta Aluizio José Rosa Monteiro Jr. , 54, define-se atualmente como lactovegetariano -apesar de abrir exceções eventuais para peixe ou frango caipira. "Vou escutando o meu corpo para saber o que eu preciso comer", explica. Só não é flexível em relação a produtos industrializados e a carne de porco, e isso já restringe bastante suas opções quando vai ao supermercado. "Colocam gordura de porco até em biscoitos e em patês", diz ele, que já levou a reclamação a algumas empresas. O pior é quando só descobre em casa que o produto tem ingredientes de origem suína. "Os rótulos são tão ilegíveis que não basta levar os óculos de leitura para o mercado -pelo jeito, a gente tem que levar uma lupa."
Conheça os aditivos de alimentos de origem animal mais comuns
GELATINA
Origem: ossos, tendões e peles de animais
Utilização: balas e recheios de confeitos, assim como na filtragem da cajuína bebida feita a partir do caju
Alternativa: ágar-ágar, feita a partir de algas
COCHONILHA
O que é: corante que dá coloração vermelha aos alimentos
Origem: o pigmento é extraído dos besouros Dactylopius coccus, também conhecidos como cochonilhas
Utilização: produtos com coloração vermelha ou rosada, como biscoitos, iogurtes e bebidas à base de soja com sabor de morango e sucos
Alternativa: urucum, beterraba e páprica, além de corantes artificiais
Estearato ou ácido esteárico
O que é: emulsionante
Origem: gordura animal
Utilização: sorvetes, maioneses e margarinas, principalmente; ele ajuda a unir a gordura e a água presentes nesses produtos
Alternativa: O estearato também pode ser obtido de óleos vegetais
Colágeno
O que é: substância protéica extraída das fibras de animais
Origem: peixes, principalmente
Utilização: processo de fabricação de cervejas e vinhos; o colágeno é usado para filtrar a bebida, ajudando a torná-la menos turva
Alternativa: silica gel ou terra diatomácea (sedimento proveniente de microorganismos aquáticos que têm uma carapaça silicosa), opções adotadas pelas cervejas Skol, Antarctica e Brahma, entre outras
GLICERINA E GLICEROL
O que são: substâncias líqüidas, incolores e xaroposas
Origem: gordura animal
Utilização: alimentos light e diet - como o açúcar, que ajuda a deixar o alimento mais encorpado, é usado em menor quantidade nesses produtos; a glicerina e o glicerol são adicionados para aumentar a consistência, a viscosidade e o brilho do produto
Alternativa: a glicerina e o glicerol também podem ser derivados de óleos vegetais
Restrições alimentares variam conforme grupo
Onívoros
consomem tanto vegetais quanto carne e outros produtos provenientes de animais
Ovovegetarianos
não consomem carne, seja ela bovina, suína, de peixes ou de crustáceos, mas sua dieta inclui ovos
Lactovegetarianos
também não comem carne, mas tomam leite
Veganos ou vegetarianos estritos
não consomem nenhum alimento que tenha origem animal, o que inclui ovos, leite e mel
Fonte: Guia Vegano
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