Metas relativas à natureza não vão ser cumpridas
Os governos mundiais não vão cumprir o objectivo acordado de reduzir a perda de biodiversidade até 2010, revelam os peritos.
Perto de 200 países assinaram o acordo em 2002 mas 10 dos mais conceituados conservacionistas presentes no Congresso Mundial da Conservação foram unânimes em considerar que o objectivo não pode ser alcançado.
Todos os indicadores globais do progresso da situação caminham no sentido errado e muito poucos governos chegaram sequer a incluir o objectivo na legislação nacional.
Nem todos os peritos questionados quiseram fazer uma declaração oficial e alguns referiram a relutância em embaraçar os respectivos governos com os seus falhanços na questão. Outros ainda, sugeriram que o objectivo era inatingível, mesmo a quando da sua concepção há seis anos.
Ahmed Djoghlaf, secretário executivo da Convenção para a Diversidade Biológica das Nações Unidas (CDB) diz que a meta de 2010 era alcançável se os governos agissem com urgência, mas aceita que "todos os indicadores nos estão a alertar para que seja improvável".
Na semana passada foi publicada a Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas, que mostrou que cerca de um quarto dos mamíferos estão em risco de extinção, bem como a publicação de um estudo encomendado pela Comissão Europeia que analisa a economia da perda de biodiversidade, onde se lê que a degradação das florestas mundiais custa mais à economia por ano que a actual crise financeira.
A CDB foi assinada na Cimeira da Terra do Rio de Janeiro em 1992, mas só passados 10 anos adquiriu uma meta firme e supostamente vinculativa: "alcançar até 2010 uma redução significativa da actual taxa de perda de biodiversidade a nível global, regional e nacional, como um contributo para o alívio da pobreza e para benefício de toda a vida na Terra".
Georgina Mace, directora do Centro de Biologia Populacional do Imperial College de Londres, diz que a nível mundial, esta meta era absolutamente impossível de alcançar.
"Não temos muitas medidas da biodiversidade a nível global mas existem algumas indicações. Elas medem coisas como a taxa a que as espécies passam de uma categoria para outra na Lista Vermelha em direcção à extinção, medem as tendências médias nas várias populações ao longo do tempo ou as alterações de habitat."
"A nível global, todos esses dados que temos mostram ou taxas continuamente descendentes ou quando muito a manutenção da perda mas nenhum mostra melhoria." Para além disso, praticamente todas as tendências que conduzem a perda de espécies ou ecossistemas continuam a nível global.
"A convenção de biodiversidade não lida com questões como o corte da floresta, construção de estradas, alterações climáticas, poluição ou a expansão da agricultura", diz Gordon Shepherd, director de política global do WWF.
"Na realidade, as pessoas que detêm a capacidade de decisão nessas áreas, sejam governantes ou empresas, têm muito mais poder que os ministros do ambiente, que não dispõem de ferramentas para lidar com a sobre-exploração dos recursos ou o consumo excessivo."
No entanto, Sebastian Winkler, da International Union for the Conservation of Nature (IUCN), diz que o período de tempo entre 2002 e 2010 é tão curto que não devemos ter expectativas de ver alterações no mundo real. Ele sugere uma forma diferente de medir a falta de progressos: apenas 16 governos cumpriram o seu compromisso de integrar a meta de 2010 nos seus planos nacionais de combate à perda de biodiversidade.
Winkler dirige a iniciativa da IUCN "Contagem Decrescente para 2010", que tem como objectivo angariar accionistas de todo o mundo, bem como autoridades locais, para o compromisso de tomar acção contra estas tendências na sua região.
"Agora a CDB está a tentar usar a Contagem Decrescente para 2010 como uma parra para os governos se esconderem: temos 800 parceiros, cada um deles a realizar pelo menos 10 acções, logo temos 8 acções e é isso que eles esperam apresentar como um progresso", diz ele.
Thomas Lovejoy, presidente do Heinz Center, refere que houve sinais de progresso em diferentes zonas do mundo, nomeadamente na Costa Rica e no Butão, entre outros países que estão a levar a questão a sério. "Em 43 anos passámos de um floresta protegida no Amazonas a 40% da área sob alguma forma de protecção. Ainda não é suficiente para manter a integridade do ecossistema mas é um progresso imenso."
A Europa é o continente que mais progressos fez em direcção à meta estabelecida. De acordo com um estudo recente, está a caminho de controlar a perda de biodiversidade, mas até 2050 e não até 2010.
Djoghlaf refere que a iniciativa de 2010 pelo menos colocou o tema do declínio da biodiversidade em cima da mesa política e pública. "Há uma maior consciência, as pessoas estão dispostas a fazer alguma coisa, o comportamento dos negócios está a mudar, a biodiversidade está a tornar-se uma questão empresarial porque as empresas sabem que o mercado do amanhã é verde e têm que se adaptar."
Sebastian Winkler considera importante manter os governos empenhados nesta questão. "Martin Luther King disse 'Eu tenho um sonho', não 'Eu tenho um pesadelo' e se estivermos sempre a pintar pesadelos não iremos conseguir o apoio da comunidade internacional."
Mas Lovejoy sugere que ao nível das espécies e dos ecossistemas o pesadelo já está a ser uma realidade. "Já não é uma questão de saber se estamos na sexta maior extinção da história da Terra, já temos a certeza que está a acontecer, resta saber até onde vai chegar."
Fonte: Simbiotica
Saber mais:
Convention on Biological Diversity
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