Água de beber…

Você sabe o que sai da torneira da sua casa?

Contribuição do Prof. Angelo C. Pinto (IQ-UFRJ) enviada em 03/10/2008
(Fonte: Chemistry World, 5(9), 48-52, 2008;  Jornal da Unicamp, Edição 356, 4 a 10 de dezembro de 2006)

Sei que nada sei. Esta citação do filósofo grego Sócrates ilustra bem o tema deste texto para a página eletrônica da SBQ-Rio. Na ciência é sempre o que acontece. Quanto mais se sabe, mais se desconhece.

Os químicos analíticos descobriram que a água que chega às torneiras, pronta para ser bebida depois de filtrada, está contaminada com uma plêiade de fármacos. Este problema, entretanto, não é novo. Ele surgiu nos início dos anos noventa quando um ecotoxicologista trabalhando na Inglaterra associou a feminilização de peixes machos à presença na água do anticoncepcional 17α-etinilestradiol. Mais tarde se verificou que estrógenos provocam dimorfismo sexual no sistema reprodutor dos peixes, comprometendo a sua reprodução.
Com o avanço das técnicas analíticas se descobriu que a contaminação de águas por fármacos é um fenômeno geral que ocorre em todo o mundo desenvolvido. Não só os rios e os lençóis subterrâneos estão contaminados com poluentes químicos. Até mesmo a água potável, depois de tratada, está contaminada com anticoncepcionais, antiinflamatórios, antidepressivos e outras classes de fármacos. Por incrível que possa parecer, muitos grupos vêm se especializando no desenvolvimento de técnicas para a detecção, por exemplo, de antidepressivos na água que chega as torneiras, como uma equipe do US Geological Survey, que está particularmente interessado nesta classe de fármacos.

A razão é simples, cada vez mais antidepressivos são consumidos, e a tendência deste consumo é aumentar. Mas, não só os químicos passaram a fazer dessas análises de água suas linhas de pesquisa. Muitos biólogos passaram a estudar os efeitos de fármacos na água sobre espécies aquáticas, e até mesmo sobre os consumidores de águas contaminadas. Apesar de estes contaminantes estarem presentes em pequenas concentrações na água tratada, ainda não se pode imaginar seus efeitos sobre a espécie humana, porque muitas vezes a água está contaminada com mais de uma dezena de fármacos. Se um é prejudicial o que dizer de dez! Haverá algum efeito sinérgico?

Ao analisarem águas contaminadas com fármacos, os químicos analíticos obrigam as agências reguladoras a reverem a legislação ambiental, porque sempre que diminuem os limites de detecção de contaminantes, as leis obrigatoriamente devem ser alteradas. Não só os advogados são influenciados pela química, também, no futuro, os antropólogos serão obrigados a se interessarem pelas estatísticas sobre águas contaminadas. Pode-se, por exemplo, antever teses de antropologia com formulações teóricas sobre o comportamento de determinadas comunidades, com base na contaminação da água com antidepressivos.

A realidade é que o problema está posto e também nos atinge. E os químicos analíticos brasileiros, o que estão fazendo para informar a população se a água consumida nas grandes cidades está contaminada com fármacos? Veja a seguir a resposta do Prof. Wilson Figueiredo Jardim (UNICAMP) a este questionamento:

Durante quatro anos, desde 2002, foram analisadas amostras de água coletadas em três pontos do Rio Atibaia (manancial de onde Campinas retira 95% da água que abastece a cidade) e um dos ribeirões Pinheiros e Anhumas, além de amostras de água potável em dez bairros do município, abrangendo as regiões Norte, Sul, Leste, Oeste e central. Na água que chega às torneiras dos campineiros, foram encontrados dietilftalato, dibutilftalato, cafeína, bisfenol A, estradiol, etinilestradiol, progesterona e colesterol. “São substâncias que não deveriam ser encontradas na água potável. Há que se dar um desconto para os ftalatos, pois muito provavelmente são oriundos da lixiviação dos canos de PVC”, declarou Jardim.

De acordo com o estudo, a cafeína apresentou uma concentração média na água potável de 3,3 micrograma por litro (µg/L). Para o colesterol, a média obtida na água potável foi de 2,4 µg/L. Outros compostos também chamaram a atenção, como a progesterona (1,5 µg/L), estradiol (2,4 µg/L) e etinilestradiol (1,6 µg/L), hormônios sexuais femininos. “São concentrações muito elevadas comparadas com a Europa e América do Norte. Chegam a ser da ordem de mil vezes maior. Os níveis de alguns compostos na água potável, a cafeína, por exemplo, é similar ao que se encontra na água bruta de alguns países europeus”, afirmou Jardim.

A evolução da Química Analítica se assemelha muito com alguém que passou a usar óculos ou fez uma cirurgia de catarata, e ao se olhar no espelho, passa a enxergar as rugas que antes achava que não tinha, porque não as via.


Quem quiser saber mais sobre águas contaminadas com fármacos, leia “Something in the water” de Maria Burke emChemistry World 5 (9), 48-52, 2008. Este periódico de divulgação pode ser encontrado no Portal da CAPES em www.capes.gov.br


Fontes:


Chemistry World 
Jornal da Unicamp

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