A mesma língua???




Para quem escreve em português para um publico misto (Brasileiros, Portugueses e o resto da comunidade de língua oficial Portuguesa), nem sempre é fácil escolher as palavras que todo mundo irá entender. Mas como se diz em Portugal - "por cá me amanho..." - Luís Guerreiro


Um texto delicioso do Ruben Braga...

Em Portugal se diz assim:

«(...) Pagar a renda do andar é pagar o aluguel do apartamento. O avião não decola, descola, e não aterrissa, aterra; e o sujeito que vem consertar a pia não é bombeiro, é canalizador. (...) Sua geladeira deve ser promovida a frigorífico e seu banheiro a casa de banho. (...) Caminhão é camião, e quando ele bate não bate, embate; seu motorista é camionista. A casa (mobilada e não mobilada) vende-se com “o recheio”. Oferecem-se marçanos e turbantes, e mulheres a dias. Lanterneiro é mais logicamente bate-chapas e cardápio é ementa; esquadra é a delegacia de polícia. (...) Caixa postal é apartado, aparelho de rádio é telefonia, parada é paragem e pedágio é portagem; carona é boléia, autoclismo é caixa de desgarga de latrina, que não é latrina, é retrete. (...) suéter é camisola, e meia de homem é peúga, (...) mamão é papaia, troco é demasia, presunto cozido é fiambre, sorvete é gelado, travão é freio, marcha a trás é marcha à ré, band-aid é penso, e durex é fita-cola, bonde é eléctrico, berlinde é bola de gude (mas é masculino: jogar ao berlinde), cabedal é couro. (...) a sopa não esfria, arrefece; tomada de electricidade é ficha; (...) a guimba ou bagana de cigarro no Brasil é beata em Portugal, e a equipa não deixa a concentração para fazer um excursão, deixa o estágio para uma digressão; papel carbono é químico, não se diz que um sujeito é monarquista, diz-se que o gajo é monárquico.

Quando dizemos que “tinha muita gente lá”, eles dizem que “tinha lá imensa gente”, quando falamos de “uma porção de coisas”, eles falam de “uma data de coisas”. Não se anuncia uma casa “em primeira locação”, mas simplesmente “a estrear”. (...) O final de um jogo de futebol de futebol não é “zero a zero”, é “zero-zero”. A nossa ducha é o duche deles, e o nosso toca-discos lá é gira-discos. (...) e não se dá uma surra ou uma sova, mas uma tareia. Pois, pois.»

«(...) Há diferenças conhecidas de todos, como “comboio” que é o nosso “trem”, “carruagem” que é o nosso “vagão” e “caminho de ferro”, que é a nossa “estrada de ferro”, mas a nossa “baldeação” lá é “transbordo”, coisa menos sabida.

Se você entrar em um teatro com seu “chapéu de chuva” (forma muito mais usada que o “guarda-chuva”) é obrigado a deixá-lo no “bengaleiro”, que é o nosso “chapeleiro”. Isto ao Irineu [Garcia] parece elegante, e fica a imaginar se o seu querido Fernando Pessoa usava bengala; acha que sim.

Acredita meu missivista que é uma falta de respeito chamar “gerânios” de “sardinheiras”; e completamente misteriosa a palavra “diospiro”, que designa a fruta que nós conhecemos por “caqui”. (...)

“Ventoinha” é o nosso “ventilador”, e “papeleira” é aquela “escrivaninha” de tampa inclinada e gavetas para guardar papeis. “Utente” é o mesmo que o nosso “usuário”, “herdade” é “fazenda”, e “carrinha” é “caminhonete”. A gente não pede comumente o “endereço” de uma pessoa e sim a sua “morada”, isto é, “endereço” de sua “residência”; esta última palavra é mais usada no sentido coletivo.

Candeeiro no Brasil a gente entende que é a querosene, óleo ou gás: lá é também o eléctrico, a nossa armação de abajur. O “caseiro” é mais conhecido com “quinteiro”, e “sertã” é o nome mais comum da nossa “frigideira”; “alguidar” é usado comumente no sentido de bacia de lavar roupa...

A nossa “turma” ou, em ipanemês, “patota”, lá é “malta” e às vezes se mete em algum “sarilho”, que é a palavra mais usada para “briga”, confusão.

Irineu me manda “refilar” no sentido de “estrilar”, “reagir”, e “fato macaco” no lugar do nosso feio “macacão”. No Brasil é muito raro o uso de “fato” com “roupa” e corrente no sentido de coisa feita, acontecimento — que lá é de “facto”, com “C”, que se escreve e pronuncia.

O vendedor de bilhetes de loteria, nosso “bilheteiro”, em Lisboa é “cauteleiro”, e não é raro ouvir “apitadela” no lugar de “telefonema”. Um tipo “gira” não é adoidado como no Brasil, é um bom tipo, é bonito. O amigo “legal”, “cem por cento” lá é “fixe”. No lugar de “vagem” usa-se mais “feijão-verde”, e, no lugar de “açougue”, “talho”.»

Ruben Braga [1913-1990], Pequena Antologia do Braga,
Editora Record, 7.ª Edição, 2004

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